Comentário ao Salmo 19 – Santo Agostinho

I. COMENTÁRIO

 1 1“Para o fim. Salmo de Davi”. O título é bem conhecido. Não é Cristo quem fala, mas o profeta refere-se a Cristo, cantando o futuro, em forma optativa.

2 2“O Senhor te ouça no dia da tribulação”. O Senhor te atenda no dia em que disseste: “Pai, glorifica teu Filho” (Jo 17,1). “Proteja-te o nome do Deus de Jacó”. Pertence-te o povo mais novo, porque o mais velho servirá ao mais novo (Gn 25,23).

3 3“Do santuário envie-te auxílio, e de Sião te defenda”, criando para ti um corpo santificado, a Igreja, sustentada pela contemplação, que aguarda tua vinda para as núpcias.

4 4“Lembre-se de todos os teus sacrifícios”. Deus nos recorde todas as injúrias e afrontas que por nós sofreste. “E teu holocausto lhe seja agradável”. Transforme a cruz, onde te ofereceste totalmente a Deus, na alegria da ressurreição. (Diapsalma).

5 5“O Senhor te conceda o que deseja teu coração”. Dê-te o Senhor, não o que desejou o coração dos que julgaram poder te aniquilar pela perseguição, mas segundo os anelos de teu coração, que te ensinaram a utilidade de tua paixão. “E realize todos os teus planos”. Realize todos os teus planos, não somente o de dar a vida por teus amigos (Jo 15,13), para que revivesse o grão morto na terra, e que produziu muito fruto (ib. 12,24), mas também o de sobrevir a cegueira em parte a Israel, até que haja entrado a plenitude das gentes e assim todo Israel se salve (Rm 11,25).

6 6“Exultaremos com a tua salvação”. Exultaremos porque a morte em nada te prejudicará; assim mostrarás que nem a nós ela pode prejudicar. E nos gloriaremos no nome de nosso Deus. A confissão de teu nome não só não nos arruinará, mas nos engrandecerá.

7 7“Atenda o Senhor a todos os teus pedidos”. Atenda o Senhor não só os pedidos feitos na terra, mas ainda aqueles com os quais no céu interpelas por nós. “Agora sei que o Senhor salvou o seu Cristo”. Agora foi-me demonstrado pela profecia que o Senhor ressuscitará o seu Cristo. “Ouvi-lo-á do céu, seu santuário”, ouvi-lo-á não só da terra, onde pediu que o glorificasse (Jo 17,1), mas ainda do céu, onde já estando à direita do Pai e intercedendo por nós (Rm 8,34), difunde o Espírito Santo sobre os que nele acreditam. “Pelo poder da salvação de sua destra”. Nosso poder provém da salvação com que nos favorece, ao prestar-nos auxílio na tribulação, de sorte que ao sentirmos nossa fraqueza, então é que somos fortes (2Cor 12,10). Porquanto é vã a salvação que vem do homem (Sl 59,13), não pertencente a sua direita, mas à esquerda. Com esta salvação humana se exaltam cheios de soberba os pecadores que conseguiram salvar-se temporariamente.

8 8“Uns confiam nos carros e outros nos cavalos”. Uns se deixam arrastar pelas vicissitudes dos bens temporais, outros ostentam orgulhosas honrarias e nelas exultam. “Nós, porém, exultaremos no nome do Senhor nosso Deus”. Nós, ao contrário, colocando a esperança nos bens eternos, sem aspirar por nossa própria glória, exultaremos no nome do Senhor nosso Deus.

9 9“Eles se emaranharam e caíram”. Prenderam-se com a ambição das riquezas temporais, temendo poupar a vida do Senhor e perder sua terra (Jo 11,48), caindo nas mãos dos romanos. Lançaram-se contra a pedra de tropeço (Rm 9,32), a pedra de escândalo, e caíram, privados da esperança celeste. Por meio deles sobreveio a cegueira em parte a Israel, porque desconheceram a justiça de Deus, procurando estabelecer a sua própria (ib. 10,3). “Mas nós nos levantamos e ficamos firmes de pé”. Nós, não buscávamos a justiça e a alcançamos (Rm 9,30). Ficamos firmes de pé, a fim de que entrasse o povo das nações, filhos de Abrãao, suscitados de pedras. Ficamos eretos, justificados pela fé, não por nossas forças.

10 10“Senhor, salva o rei”, que combatendo deu-nos um exemplo de como lutar, na paixão. Ofereça ele também os nossos sacrifícios, na qualidade de sacerdote, ressuscitado dentre os mortos e colocado no céu. “Ouça-nos no dia em que nós te invocarmos”. Por nós já te ofereceste. Ouve-nos no dia em que te invocarmos.

Extraído do Comentário aos Salmos (Enarrationes in psalmos), de Santo Agostinho, vol.1.


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