Por Helber Clayton [Ir. Tomás de Aquino, obl. OSB]
Ainda não tive a graça de conhecer “El Cerro del Tepeyac” e a grande Basílica de Santa Maria sempre Virgem de Guadalupe, no México. Mas, tenho grande contentamento em dizer que conheço o pequeno e silencioso mosteiro beneditino dedicado à Virgem de Guadalupe, às margens da barulhenta BR 101, em São Mateus, norte do estado do Espírito Santo, ao qual muito desejei unir-me pelos laços da oblação. Além do nome, há entre esses dois lugares uma inevitável ligação: a terna presença da Virgem Mãe que neles sem dúvida habita com sua onipotência suplicante. Lá vivem cerca de uma dezena de monjas que se dedicam à vida contemplativa, nos rigores e auspícios da Regra de São Bento, abrindo as suas portas e seus corações a todos que desejem dias mais intensos de recolhimento e oração. Sempre digo que o mosteiro é como um colo de mãe e, ou, mais ainda, verdadeiramente como um útero da Mãe, onde somos misteriosamente gestados e restaurados pela ação do Espírito Santo. Jamais voltamos de lá como entramos…
No México, no cimo do Tepeyac, Maria aparece, num sábado, ao indígena Juan Diego, a quem carinhosamente chama de “Juanito”, “Juan Dieguito”, e o envia ao Bispo do México para comunicar seu desejo de construir ali um templo. O Bispo não lhe dá crédito. Na volta, Juanito solicita à Senhora que envie alguém mais importante para transmitir a mensagem, pois se considera um “joão-ninguém”. Maria, porém, insiste em enviá-lo. Juanito vai ao Bispo novamente no Domingo, mas este pede um sinal. Na segunda Juan Diego não volta ao Tepeyac, pois seu tio caíra doente. No dia seguinte, 12 de dezembro, o tio manda buscar-lhe um sacerdote que o ouvisse em confissão. Juanito segue, contornando, porém, o monte, para não encontrar Nossa Senhora. Não adianta. Ela vai ao seu encontro, e depois de dizer-lhe palavras de consolo e esperança, concede a prova que o bispo pedira: rosas de Castela que espantosamente tinham brotado no cume do monte em pleno inverno.
Muitas vezes a Tradição fez a analogia entre Maria e as flores. Não à toa, a principal oração dedicada a Nossa Senhora chama-se “Rosário”. Na Liturgia oriental, desde a antiguidade Maria já era chamada de “Rosa Mística da qual nasceu Cristo, maravilhoso, de inebriante perfume” e “Rosa de vida ilibada”, na iconografia é a “Flor Perene”. Na Liturgia das Horas, o hino à Sant’Ana, mãe de Maria, canta que Ana, a “fecunda raiz, que de Jessé germinou, produz o ramo florido do qual o Cristo brotou”. São Bernardo a chamava de “Rosa, branca pela pureza; vermelha pela caridade”; Os carmelitas de “Virgo Flos Carmeli”. Ela é a “Rosa das rosas, Flor das flores, Mulher entre as mulheres” da cantiga medieval. Em Medjugorje dizem que um misterioso cheiro de rosas, que por vezes lá é sentido, é um sinal da presença da Senhora da Paz.
Mas, em Guadalupe, a mística relação de Maria com as flores acontece de forma inusitada. Já se tratava de um fato extraordinário as rosas colhidas à beira do inverno, e Juanito sabia disso, por isso, vai novamente se apresentar ao Bispo, desta vez alegre e confiante, não mais se sentindo o joão-ninguém de antes, pois tinha as provas de um encontro sobrenatural. Entretanto, para sua maior surpresa, e a de todos, as rosas colhidas por ele não apenas deixariam, na sua manta branca, seu perfume característico, mas imprimiriam milagrosamente a imagem da Virgem Maria. Além dessa inexplicável pintura feita pelas flores, ao longo do tempo, vários outros detalhes que desafiam a ciência e aguçam ainda mais a fé foram notados.
No Mosteiro, assim como no Tepeyac, também podemos encontrar todas as flores oferecidas pela Virgem, falo de flores espirituais, de todas as cores e virtudes, lá cultivadas perenemente em qualquer estação, faça chuva ou faça sol. Ali, todos os dias, a Eucaristia é celebrada e, nas sete horas canônicas, ao soar dos sinos e ao som do pequeno órgão, reverbera entre as paredes de tijolos avermelhados, sem que nada se anteponha, o Ofício Divino, “o cântico de louvor que ressoa eternamente nas moradas celestes”, num diálogo harmonioso entre céu e terra, entre silêncio e som. O Mosteiro, à semelhança do Tepeyac, é também uma montanha, cujo cume é um jardim florido pela oração, cultivada com as sementes da Palavra que salva e transforma o mundo.
…Ao longe se consegue escutar o zumbido da rodovia, da cidade… Nos lembramos das tribulações que nos esperam no mundo; o cansaço da peregrinação terrena… Pouco importa… Que o mundo espere. Vamos voltar. Por enquanto, estamos descansando como crianças no colo da Mãe…
Para mim, pessoalmente, o som dos sinos, do pequeno órgão e das vozes das monjas soam sempre como um chamado da Mãe sobre o monte: “Juanito! Juan Dieguito!”… E nós, como o índio joão-ninguém, voltamos do monte alegres e confiantes, carregados de flores de intenso perfume, certos que fomos visitados pelos céus. Quem nos dera que, além do perfume, fique sempre impresso no véu da alma a figura da Virgem sempiterna, que veio nos visitar com palavras de consolo e esperança e nos mantém guardados sob seu manto e sob seu olhar amoroso de Mãe.
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